sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A porta fechada

Croix, 14h20, tarde ensolarada e bonita. O Edu está trabalhando e eu resolvo, como de praxe, limpar um pouco a casa.

A primeira coisa a fazer? Levar o lixo para fora, claro.

Reflito se levo as chaves. Pra quê? Vou só sair e deixar o lixo. A porta de entrada, se fechada, não abre por dentro, mas eu vou deixá-la aberta, não tem necessidade de levar chaves para abri-la.

Porque quem nunca se trancou pra fora de casa
em um país estrangeiro não sabe o que é diversão
Mas é *claro* que fui um gênio e fechei a porta, trancando-me para fora de meu apartamento. Depois de umas boas risadas (podem me chamar de sádica, mas em vez de me estressar, foi bem mais legal me divertir com a situação), ponderei o que fazer. A isolação acústica entre os três apartamentos do prédio é tão impecável que eu sabia, com certeza, que nenhum dos meus dois vizinhos estava por lá, como tudo estava quieto demais. Até tentei, mas claro que sem sucesso.

Eu só estava com as roupas do corpo: nada no bolso, sem óculos, sem relógio e ainda com sede. E eu não sabia o celular do Edu de cor, claro. Se eu soubesse, a aventura do dia ficaria fácil e sem graça demais, convenhamos.

Restava uma alternativa: cruzar os braços, sentar na rua e esperar o Edu chegar, lá pelas 18h30. Eu provavelmente o mataria de preocupação até lá, sem dar notícias por 4 horas (ele é super atencioso e sempre se preocupa em me mandar mensagens durante o dia, saber se eu estou bem, como estão as coisas). E eu também não estava muito atraída pela ideia de ficar tostando no sol por 4 horas, sem fazer nada, passando sede e sem saber o que fazer.

Aí que decidi que só me restava ser rebelde: eu iria furar o metrô, aí andaria até o trabalho do Edu (uns 40 minutos de viagem total) e pegaria as chaves dele. Eu solucionaria o problema de matá-lo de preocupação e estaria dentro da confortável casinha em uma hora e meia. Os metrôs de Lille (e grande parte dos metrôs da França) não têm catraca, o que faz a tarefa de furá-lo especialmente simples, basta que não haja fiscais. Me senti tão... adolescente.

Mas atenção, crianças: não repitam isso em casa! Primeiro, que coisa mais feia, isso não se faz! Segundo, além de muito feio, quando um fiscal te pega, você tem que pagar uma multa de 50 euros. Além do mais, custa 28 euros por mês para ter um cartão de transporte, com utilização ilimitada de metrô, ônibus e tramways. É meio idiota querer burlar o sistema só porque não existem catracas.

Passei a viagem toda rindo de mim mesma e ensaiando o que eu iria dizer para o recepcionista da empresa. "Bom dia! Eu preciso falar com um funcionário daí. É uma emergência" me soava mais bonito do que "bom dia, eu sou uma anta e me tranquei pra fora de casa. Eu abriria a boca a chorar e chamaria pela minha mamãe, mas como ela está muito longe daqui, pode ser o namorado mesmo".

Eu nem sequer me lembrava qual era a última vez que eu tinha saído assim de casa: sem nada além das roupas no corpo, sem poder enxergar muito bem, sem poder saber que horas eram, sem a possibilidade de comprar uma água e matar a sede, sem. É uma experiência espiritual libertadora. Senti-me estranhamente livre e leve.

Mas bem que uma situação dessas realmente fica mil vezes mais divertido quando a gente não domina a língua muito bem. Quando a recepcionista da empresa me perguntou "quel est son nom ?" eu entendi "qual é o seu sobrenome?". Está certíssimo, mas o problema que "son" quer dizer seu no sentido "dele", e não "teu"; aí ficaram procurando por um funcionário com um nome frankenstein: o prenome dele, o sobrenome meu. Foi divertido.

Passados os momentos de susto do Edu de me ver lá, no meio da tarde, no seu trabalho, tudo foi lindo. Missão cumprida! Bastava voltar pra casa.

E a volta foi tranquila, tirando a tentativa malfadada de ajudar um drogado a chamar a ambulância, a presença de fiscais na estação de metrô, andanças perdidas em busca de uma outra estação, um cara me assediando num francês incompreensível, me seguindo e me fazendo perguntas até eu inventar que sou casada, uma viagem de metrô num sentido errado e quase perder as latas de lixo que eu tinha esvaziado.

Nunca estive tão feliz por ter entrado em casa. E nunca mais duvido da minha capacidade de me superar.

4 comentários:

  1. hahaha nada como entrar em apuros pra crescer a auto-confiança em um pais estrangeiro!

    O meu foi me perder em Milao, sem falar italiano, sem credito no celular, sem um puto no bolso e estar correndo o risco de perder o trem pra voltar para casa (no sul da italia) e saber que nao teria dinheiro pra comprar outra passagem.

    Chorei igual criancinha, juro! Mas no final tudo deu certo.

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    1. Hahahahahaha, nossa! Como foi isso?
      É assim mesmo, na hora a gente chora, mas depois é super divertido ter a história pra contar. E o pior é que eu adoro essas aventuras!

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  2. Nossa, que aventura hahahaha mais emocionante ainda foi a volta hahahah A gente tá é lascada e parece que atrai ainda umas coisas no meio do caminho hahaha Eu fiquei fechada uma vez no terraço da cozinha, mas felizmente consegui abrir a porto usando o cabo da vassoura....fui ninja hahahaha

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    1. Hahaha! Sim!! É a lei de Murphy. E como assim a sua história?! Hahahaha, parabéns pelo feito ninja. Eu até pensei em fazer algo parecido também, subir pela janela, mas tava alto demais. :(

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